ATRAIO POESIA

A VIDA É TODOS OS DIAS UMA POESIA, POSTAR POESIAS, CAMINHAR OS DIAS.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

PEREGRINOS

São onze minutos suspensos na escuridão.
Através do espelho,
a face rompida em montanhas de gelo,
no corpo da mariposa que fixava os olhos em mim. 
Guerreiros da luz.

Minha alma se uniu a sua lembrando os transes em Ouro preto,
percorrendo caminhos onde a face de Deus se revela no adro,
da igreja de São Francisco de Assis.

Nove vezes eu fui Sua.
Sua mágica presença curando minhas dores,
no amor e na misericórdia.

Sozinha.
Segui o caminho,
às vezes nua,
às vezes vestida de lua,
dormindo com anjos depois de noites em desespero veloz.

Escondida em um lugar santo,
cheio de plantações que minhas mãos semearam,
acolhida pela terra vermelha e árida,
recuperei minhas asas
preparei para um voar embalando bebês.

Surgiu no horizonte o tempo de aprender sua linguagem.
Fora  do ninho conforto caminhei entre rosas vermelhas, o caminho do coração.

Magias desfeitas impedindo um coração de chorar, uma menina de rodopiar, uma mulher de sorrir.
Na cadeira de balanço da varanda envelheci sem pressa de nada.
O espelho quebrado ressurgiu inteiro,
a boneca fez piruetas no mar.
A mulher passou seu batom vermelho carmim e vestiu-se de mandacaru.
A dança cigana de dias esquecidos.

Peregrinando pelo caminho sagrado feminino achei minha alma adormecida em seus braços.
A fé revelada em sonhos e números, chorando a beira do rio.
Alquimias e canções marotas, em desertos frágeis.
Encontro você em momentos onde todo o universo se repassa e repara a nossa própria lenda.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

SAMBA PARA ZARATHUSTRA

Tantas fizemos em um terreno de conquistas
Que minhas santas cordas vocais
Espirraram para fora sua lembrança ardida
Pensando em linhas e travesseiros
Dormi no ponto
Da corda estendida sobre o abismo
Sempre ele Zarathustra
Porque em Nietzsche vi a vontade sentida de participar do samba
quando vi o choro cantar a paisagem morta
enfeitar e amadurecer minha medida de contar estrelas
ouvi sua sentença, no sangue espírito que transmuta a vida

terça-feira, 20 de setembro de 2011

SOLO EM DÓ MENOR

Sou espectro cristalino de dor lunar
Arfa a sede do meu peito em dó menor
Surge na estrada pontiaguda uma luz em si
Estou nua
Minha alma pede colo
Sinto um sorriso que pousa na folha fina
Minto minha solidão
Ninguém ama mais a terra
Do que o cactus que dela absorve nuvens

Razão é memória que se perdeu de si mesma
Não há possibilidade de gritar um dia inteiro
Mesmo quando a angústia trai o desespero
Rompo a porta do retrato vazio
Na esquina da aflição de um dia morto
Perdi o recado da lucidez em abandono

Rezo meus dias
Torço meus meses
Encolho meus anos ainda não vividos
Na bolha de sabão que enxuga meu corpo
Na hora do encontro com minha perda sensitiva
Os olhos são espelhos que não volvem a jornada
Pois estão vendo o que de mim sobra na luz do dia
E no interno semblante
Que roubei de mim

domingo, 14 de agosto de 2011

Estrela do amanhã



O pai já tinha aparecido numa armadura
De soldado com lança na mão
De santo das causas impossíveis
Quando ainda adivinhava seus sonhos
Na tela do aparelho que o ligava à vida
No quarto frio do cti

Xangô veio retirar a teia ilusória
Que eu tecia no choro-drama
A justiça enfrentou-me com um cajado
Conduzindo a vida
Pelo caminho que a direção de seus olhos
Cândidos e profundos
Delinearam no espaço da existência que recolhia sua alma
Na lágrima perda de uma conquista eterna

Num instante mágico
Em que já não o possuía na matéria condensada
Ganhei um acelerador de partículas
No cheiro do livro da sua biblioteca

Dentro do espaço infinito
Sem qualquer gravidade
Não precisei procurar pelo lixo cósmico
Vi sua face reluzente
Numa estrela perdida há bilhões de anos
Era o mesmo sorriso que sustenta as minhas palavras
Na manhã adormecida de meus sonhos cândidos

Perder é ganhar o tempo livre
Da imaginação cósmica
Os caminhos entre pai e filho são do
Universo espírito santo
Aprendizado sagrado
Que pode recolher a estrela na mão
Com a luz intensa
Do amparo do primeiro passo




domingo, 12 de junho de 2011

PARA NÃO VIVER À MINGUA OU DE LUA CHEIA


Encantamento ou proteção
não sei o motivo da felicidade
mas ela tem cor de brilho
de lua mordida

minha morada é bem transparente
entre-dentes, sorrisos,
soluções de afeto
química remédio da alma
cheia de alegria

vi e desejei toda a floresta
mas, o momento instante,
foi apenas o efêmero brilho
de um luar dourado de estrelas

naquele lago eu me banhei inteira
nua como a neve que cai
saborei teu encanto em forma de concha
resgatei o universo perdido
amor doado na conta corrente
de um mundo cheio de sonhos e luz

dentro do poço abismo
agarro a corda dependurada no ar
e chego ao chão iluminado
com minhas asas de borboleta

quarta-feira, 1 de junho de 2011

PRIMAVERA DE MAIO NO CORAÇÃO DE OUTONO

A casa está aberta
A porta está aberta
A janela está aberta
Meu mundo está aberto

Primavera de folhas no chão
segredos revelados
outono de flores
na janela da morada interior

O ar entra solto
o sol esquenta a morada
a lua banha
o chão de brilho

As idéias correm livres
o movimento trouxe calma
sinto a liberdade no pólen
da minha flor se abrindo

Pela aresta o ar entrava
Mas, eu não via a rua
Fechei fissuras na parede
Mas, eu não via a idade
da minha construção

É hora de dormir canções
È hora de acordar
É hora de viver em paz.

domingo, 22 de maio de 2011

SEMPRE VIVA

Sua lembrança é
um símbolo guardado
bem disposto
em um armário acolhimento
de uma vida navegante

Ao deixar o mundo
você veio em sonho
último pedido
cuidar do universo
instante mundo
sonho concreto
de um dia lunar
liberdade de criança sorridente

Na sala de estar conforto
entreabertos caminhos
alegria aromatizada
pelo cheiro da refeição cozinha
alimento de fé constante

Amor escola
flor jardim
esperança em pétala de rosa
de um cabide que guarda seu sobretudo

Não vou mais chorar meu luto
transformei sua ausência em palavras
vejo seu rosto em minhas mãos
sedentas de correr o papel

Minha veia sangue aorta
recebi de você como matéria prima
sempre viva memória que pulsa

sábado, 21 de maio de 2011

CANÇÃO ENTRE DOIS MUNDOS

Sorri menina, que admiro quieta
não nos revelamos em noites de
dormir,
porque em seu seio eu vibro adormecido.

Minha paisagem é seu céu de abandono,
e sua tez é clara.
O vime que você procura é um sorriso de colibri.

Nas estrelas eu perambulo sobre seu céu de anis.
Raios que despedaçam quando a chuva do seu choro,
invade minha esperança em xis.


Meu balanço, balouça,
blém, blém,
ao sabor do vento suave do outono cósmico.

Gosto de comer pêssego,
do pé de nuvem alaranjada.
Só dá quando tem sol bem forte,
meio-dia.

O meu amor atravessa o tempo,
se esvai na castidade do espelho da sua alma.

Aproximo da árvore dos seus sentimentos,
galho por galho,
subo até a última folha.
Se gritar,
é porque soltei para o infinito.
Assim, respondo ao mestre oriental:
qual é o verdadeiro sentido da vida.

Vejo-o fazendo dança.
Rodopiando no ar,
a beleza que atravessa todas as esferas.

A música é cadência de energia,
holograma de som.
A paz não tem reserva de espírito.
É condensada na matéria como a onda do mar.

Respiro o ar profundo do universo,
Em consonância com a temperatura ambiente.
O corpo celeste necessita da gravidade,
Os seres espirituais necessitam de radiação
e movimento

E se as estrelas fossem os poros do corpo de Deus?
O Brilho delas seria a imagem do infinito.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

LEMBRANÇAS DE PARTIR

Sempre ouvi falar de você no escuro,
O erro como sentença,
A vida sem lar.


Morrer à noite, ao relento,
Na beira da estrada;
Abandono feroz,
Condenação sem limites.

Chorei diante do mendigo,
E da moeda tocando o chapéu imundo,
Parecia-me que era você
eu que nunca o vi
Este desprezo que me rasga as entranhas.

Não consigo engolir a massa podre.
Meu pensamento não condena quem não soube perdoar.
Minha dor é a solidão do fracasso,
Que acompanha quem foi e quem deixou ir.

O consolo é que as estrelas que brilham,
Acompanham as luzes que insistem em brilhar;
Mesmo escondidas de tudo,
Porque seguraram o presente da despedida.
Durante a vida em que ficaram ausentes,
E no seu último suspiro,
Foi o sopro do vento,
Que dobrou os corações aprisionados,
Em brasões de pedra adormecida.

LEMBRANÇAS DE FERREIRO

Encontro na madrugada,
O mesmo gosto por cheiro de álcool,
Copo sujo, quibe frito,
Futebol na esquina de casa.

Assim por muito tempo te vi
E assim lembro,
Mesmo depois que o álcool evaporou,
E a bebida passou a ser “sugar free”.

Horas teimosas,
Dificuldade de aceitar o óbvio;
As pessoas que se importam,
São as que mais sofrem.

Atleta percebi-o tarde,
Mesmo depois do anel prometido,
Não conseguia entender as formalidades,
Sempre gostei dos sem títulos.

Chorei quando fostes,
Morte que o libertava,
Vida que já não pertencia
Corpo que não se fragmentou.

LEMBRANÇAS DE FUGIR

Suas mãos tremiam,
Sem que ninguém percebesse,
Carregava o tormento de ser um outro,
De querer derrubar o rei.

O seu sucesso foi a paciência,
A persistência em ser fiel,
A parcimônia em ser corajoso,
A mãe carregada nos braços.

Ouvi que doía sua vida,
A cabeça a ponto de explodir,
Senti cheiro de gás, no porão da sua casa;
Revelava seu desejo são.

Acabo de deitar sua sombra,
No sorriso de quem fugia,
Não vou revelar os anjos,
Porque tem pressa de sono a dormir.

LEMBRANÇAS E RASTROS

Suas histórias são de arrepiar;
Sei que você foi forte, e temperamental;
Às vezes, ouço sua voz cortante,
Agredindo o ar que respira.

Gosto sensual,
Meninas e moças,
Charme que seduzia o mundo,
Da pacata e pequena cidadezinha.

Ficou o cheiro de vergonha,
Revolta da saída brusca,
Sonhos que não se refizeram,
Perdão que não acalentou.

Mesmo assim, força,
Olhar que brindava a vida,
Na sua quietude,
E no olhar inquisidor.

Enfim, uma presença marcante.
Que ainda vive nas ruas e becos sem fim.
Companheiro dos vivos que não o perderam,
Porque foi o calvário libertador.

LEMBRANÇAS DE CROCHÊ

A maternidade era sua cara,
Filhos homens cheios de mundo,
Conheceram os lados da mãe que sentia.
A falta de um lar. A falta de um guia.

Casa cheia de filhos,
Casa cheia de hóspede,
Mulher que trabalha no sustento,
Homens que dependiam da sua mão calejada.

O sonho ouvi dentro do trem que partia,
contando que pagava o título da sorte,
Saindo de lá, para cá,
Encanto que não durava todo Domingo.

A toalha de crochê na minha sala,
Terna esperança,
Respeito pela felicidade,
Alegria pela visita.

Senti na sua boca o cansaço dos tempos,
seus olhos aceitavam a impotência;
Sabia que sentiriam falta,
Do perfume rosa de sua nuvem branca.

LEMBRANÇAS DE PORÃO

Os porões que o cativaram,
Sonho de liberdade emprestado
Não era aquele que queriam,
Mas foi quem se entregou ao holocausto.

Mesmo assim, era o sorriso,
Gentilezas que se descobriam,
Em um coração fraco,
Que levou sua alma.

Casa cheia de amigos,
Beatos, padres, videntes,
Pessoas cheias de verdade.
Como impedir este desvendamento?

Aquele que foi ferido,
Por uma sentença sem fim;
Aquele que suou a cara,
Por uma dignidade sem fim.

Guardo a satisfação de encontrá-lo e sorrir.
Conversas no meio da rua,
Quando já se preparava para ir embora,
Eu procurando a dor no analista.

Sentia sua mão sensível,
O cheiro acre da vida,
A oração guardada,
Montanhas removidas.

domingo, 1 de maio de 2011

LEMBRANÇA DE PARTILHA

Os cabelos sempre para trás,
O cansaço sempre na face,
A saia que cobria a perna torta;
O bolo de aniversário que não soprava velas.

Inspirava um consumo de arte,
À toa, só por prazer de ver o nada;
No sofá da sala,
Fitava invencionices.

Acho que inspirava vôos,
Mesmo em tristeza contemplativa.
A diversidade veio da sua casa,
Lugar construído, sem muros.

O neto independente,
O filho espírita,
A filha sem cabelos,
O marido torturado.

Nossa mente nunca se cumprimentou,
Mas meu coração aqueceu você em luz.
Sentimento de maternidade órfã,
De respeito e de dor.

LEMBRANÇA FORMOSA

Descobri tarde que aquele lugar,
Tinha nome de santa,
Ébria de Deus.

Não fui ali, sem incômodo,
Não consegui despertar meu sentimento,
Não estendi minha mão sem reservas.

Que pena,
Não o conheci.
Não fiquei sabendo a sua dor.

Quando morreu tive medo,
A doença do peito,
O consumo de fumaça.

O riso não saiu da boca,
A cerveja derramava no canto dos lábios.
Família que esperava sua volta.

O filho, longe;
Canção de um lugar que nunca veio;
A mãe chorando, chorando...

Não fui no seu enterro.
Lembro da janela triste,
Do olhar triste,
Da minha visão fugidia.

LEMBRANÇA DE CARNE

Corri para porta,
Que o levou para sempre
Na noite em que o quintal miava de gatos,
Tua tosse cortou o vento escuro.

Crianças que ficaram chorando,
Meu agradecimento que não veio,
Mais alguém que não pude partilhar,
Mais lembrança de não ter sido mais.

Vejo a vaidade serena,
No portão daquela perdoada rua.
Histórias que nos faziam ver o mundo,
Para além do jardim de rosas aprisionado.

Jornal e máquina de moer carne,
Tocados por nossas mãos,
Será que ajudamos mais do que queremos?
Quem dera pudesse ter certeza do que somos.

Naquela rua já não passas mais,
Nossos domingos não serão mais;
As crianças já não vão mais,
O tempo mudou,
partiu para trás.

LEMBRANÇAS DE VOLÚPIA

Nunca entendi a sua morte,
Dita em meio a uma e outra bebida.
Pelo canto da boca sempre alva,
Que na tragédia me acolhia.

O acidente aconteceu como previra,
Naquela ânsia de viver tudo,
Como quem sabe da morte anunciada,
E quer ser único de uma vez.

Seu olhar goza na minha boca,
Mordida no canto dos lábios;
Noite que varamos escondidos,
Da aurora perturbada.

Seu clarão foi só presença,
Que ainda comove e chora,
Quando fico em solidão me agita,
E acordo para orar esquecida.

LEMBRANÇAS DO CAIS

Sua vida nunca me aplacou,
Não o percebi em cheio,
Sorria aquele olhar de encanto,
Pelo sorriso que fugia.

Parecia, não sei, um balé de sombras,
A morte já te rondava e eu não sabia,
Gostava da solicitude sem medida,
Uma proteção que acalmava.

A sabedoria pelos corredores,
Os copos vazios pelas mesas,
Boêmia desesperançada,
Que nada te poderia refazer.

A canção marcava nossa lembrança,
Até hoje tenho notícias de Portugal.
Aquele riso doce demais para morrer,
O fel que ficou não vou beber.

Criança, enquanto dorme acalenta,
O sonho de virgens mal dormidas,
Volúpias inconfessadas,
Que você levou embora,
meu marujo negro.

LEMBRANÇAS DA DOR

Sem conhecer
Vi o anjo
Os cachinhos louros
A pele recém nascida.

O nome de fábula,
Contraste de uma existência,
Efêmera,
Infantil.

Não sei chorar sobre os mortos,
Mas sei ouvir o grito surdo dos vivos,
E da mãe desfigurada,
No corredor de um hospital infecto.

Corri para te defender dos bandidos,
Vestidos de branco,
Fazendo xis sobre a boca,
Inertes, ante ao gemido sonâmbulo.


Porque sofro a dor que não é minha,
Porque todos os anjos nos comovem,
Porque não podemos revelar a inocência,
E perdoar os ímpios e os injustos.


Na terra veio para morrer;
Meu pranto derramar sobre o seu sangue coagulado,
Minha ira ser aplacada em gestos de ternura,
Para a vida e a insana ferida.

LEMBRANÇAS DO TEMPO

A vida sempre volta ao normal,
Mas, às vezes, dá uma vontade cinzenta;
Amigos, como você vem nessas horas,
Em que não sei se há alma ou sofrimento.

Emoção, é o que faz lembrar tua presença,
A filha que diz coisas interessantes,
Uma vontade de ter outro mundo,
E conversas falando sobre tudo.


Numa folha de papel eu revelei você,
Não há dispersão no universo,
Vida que não se acaba, nunca,
Abrigo do corpo e da alma.


Sentimentos sobrenaturais;
A juventude é a melhor forma de decifrar a vida.
Tempestades celestes sempre nos recordam,
Os dias que passamos juntos.

LEMBRANÇA DE DESESPERANÇA

Você morreu de uma “flor na boca”
Como no poema de Cecília Meirelles;
Livros destrocados,
Poemas que nunca terminei.

Em um dia, de carro, te vi passar.
Corria para morte.
Eu não sabia como apanhá-lo,
Estava dentro do túnel escuro.

Lamentos que nunca vamos compreender,
Fatos que nunca ficarão esclarecidos,
Como aquela carta que comecei a escrever,
E falava em não perder o fio da meada.

Não sei se poderia dizer muita coisa,
Mas uma onda do mar te levou,
E eu fiquei com a brisa,
Da solução sem tesão.


Precisei te ver, de novo, diante do absurdo,
No dia que o inseto me deu um beijo,
E você, no sonho, me beijou de existência;
Corri para ler o que havia escrito.

Era uma canção póstuma,
Para alguém que já morria.
Me senti fina, como a ave que voa,
E leve, como a pena que se estilhaça no chão.


Doei o meu pranto de heresia,
De não saber o lugar do choro,
Aquilo que dizia me arrancava o peito,
E ardia a brasa, daquela hora funda.

LEMBRANÇA DE SINTONIA

O carro nunca conheci,
Mas lembro da coragem em persegui-lo;
Aqueles que persistem,
Sempre nos ficam na memória.

O jeito franzino,
A tez humilde,
O olhar doce,
A presença forte.

A amizade dada de graça,
Em local, às vezes áspero,
Por que era bom ir ao teu lar?
E acompanhar sua disposição.

Todas as coisas que ficaram da infância,
Tem sabor do teu quintal.
Mesmo que em outro local se espalhassem;
Ali, tive, sonhos inesquecíveis.

Fica ainda uma vontade de agradecer,
Sem motivo,
Só pelo silêncio,
Talvez pela benção vigiada de todas as noites.

LEMBRANÇA DE CÉU

Não sei porque explicavam,
Que você não era minha;
Que não tinha meu sangue.
eu amava mesmo assim.

Mesmo o cheiro forte de alecrim,
E, às vezes, anis,
Poderiam fazer esquecer ou odiar,
Apesar de sua arrogante verdade.

O gosto celestino,
A fruta mordida,
O olho perdido,
A amálgama sofrida.

Me ensinou mais do que eu merecia,
No meio de uma turbulência rebeldia;
Como não afastar o amor próximo,
Como cantar a alegria.

Linda e hermética,
Os números nunca a fizeram rica;
Eu, no entanto, consolo minha mágoa
Em tua bíblia.

LEMBRANÇAS DE NUVEM

Acho que primeiro foi o cabelo branco,
Depois o cachimbo no canto da mão;
Às vezes, roçando o bigode,
Olhar sentado na varanda da casa.

Assim te reconstruí em objeto de lembrança,
As imagens são sempre ternas,
Escondem as doenças e respirações difíceis,
Os tombos que já demos na vida.

O quintal que me dava frutos,
O grande cachorro que me dava medo,
A cozinha onde entendiamos de risos.
TV na sala, programa interminável.

Lembro da fala que me elogiava;
Andar sobre o chão, como se voasse;
Cabelo para traz, de princesa;
Meus sonhos de beleza que nunca foram desfeitos.

Simples, ter quem se ama,
Mesmo sem saber quem se é;
O doce partido,
De se encontrar na ausência.

LEMBRANÇAS DE COLO

Ainda não sabia quem eu era
Quando se foi para o além;
Primeira parente morta;
Um retrato na minha parede.

Nome de primeiro amor,
Foi ocultado teu semblante corriqueiro;
Falaram-me da tua boa vizinhança,
Da lavadeira, da torcedora fanática.

Sei que era mais que isto,
Me vejo no teu colo doce e terno.
Quero repartir contigo meu canto,
Os gostos que não existem.

Na sua varanda que hoje é só lembrança,
Onde partiu para o lado de lá.
Agarro-me ao teu perfume intenso,
E te apanho como a rosa do meu jardim

sexta-feira, 22 de abril de 2011

PAIXÃO NA SEXTA-FEIRA

encanto é o que eu não poderia deixar de te contar
sempre me perco nessas palavras dúbias
entre tantos recados postados
em um final de semana
um canto

só meu
minha paixão em flor de vidro
rosas, cámelias, antúrios
vi meu vestido em sua camisa amassada

amor passado do ponto
que precisa de cor de novo
vibrantes sonhos

somos assim
projetos descalços
vida que se renova a todo instante

Bom te ver
meu amor está mais livre

SUSPIROS

À sombra da árvore,
Ela suspira
Calada.

O jogo ingênuo da sua infância
Retorna vivo,
Na bola que rodopia no ar.

Corpos passeiam,
Juventude escondida,
Olhar distante.

O coqueiro balança
Sobre a cabeça.

O céu passa e suspende o coqueiro.;
O vento estremece,
cantam as folhas que dançam.

O sol passeia no mar,
Ida e volta no bravo estrondo,
Lavando a beleza.

LEMBRANÇA

Gota de orvalho que desfalece
Na neve adormecida.

Brancura da fala,
Que escuta o som da neblina que cai.

Chora os sonhos do seio abandonado;
Velha história
De música que não toca mais.

Reta, a curva da minha mão afaga o seu colo;
Brinquedo jogado nas cinzas do esquecimento.

Fumaça que sobe sem cor,
Espectro colorido.

LÍNGUA

Dorme inquieta
No sono profundo
Da minha vida quieta.

Aprendi, com a prova do dedo;
Saliva misturada,
recompensa do insípido
Cheiro do gosto.

Língua da pátria,
Que por entre dentes morde.

O CHARME

Pulou
Fez modos de moça
Inclinando levemente a cabeça.

O piscar dos olhos foi triunfal;
Queria ser gente.

Saiu do ninho onde acabara de demonstrar seu poder imbatível,
Na cestinha,
Miando...
Quatro gatinhos.

sábado, 9 de abril de 2011

CREPÚSCULO

Resposta para tudo
Foi o que me deram na infância.
Lembrança adormecida,
De quem tudo duvida.

Tarde, os sonhos retornam
Cheios de coragem e arrependimento.
Não há mazelas na hora do encanto;
Só flores do esquecimento.

Reparo na fria rigidez da tarde em desalinho,
Matizes de tinta em um quadro míope;
Ternura é palavra que foge à estética convencional;
Revela a dor de quem tudo perde a todo momento;
Expressões contidas no desenrolar da língua.

INFINITUDES

Troco de papéis, sem ganhar nenhum trocado;
Cavaleiro de lança na mão,
Guerreiro em luta atenta,
Mestre refletindo sobre a lição,
Andarilho cumprindo o ofício multi-facetário.

Porque as estrelas formam constelações gigantescas,
E escondem a lógica do universo?

Retiro do bolso a fita métrica e não encontro Deus;
Talvez esta medida seja muito pequena para meus sonhos,
Ainda não ganhei o infinito para brincar de engenharia.

domingo, 3 de abril de 2011

CORRENTE

Brisa leve que passeia
Sobre o corpo ereto,
curvo de pensamentos.

Esteio de um lugar fragilizado,
Sombra entremeada de sol firme,
Provocação guardada,
Em essência própria.

Ciência e existência,
Ofusca a atração vibrante,
Clara e densa,
Corda fina e bamba,
Em que balançamos.

NOTURNA

Sobre a noite vejo a coruja,
Que fere a minha boca,
De sorriso fechado de riso.

Vejo o carro passar,
Descer do ônibus a sua figura esguia,
Rompendo a casa alva,
Com a sujeira da cidade carregada;
Alma infectada de asfalto.

Arruma, lava, inspira,
O cal da casa de alvenaria,
Cheiro espalhado pelos cantos,
Anda pela casa,
O tempo que deita.

ODE À BORBOLETA

Borboleta que pousa no ventre de um verso, que vai
Cresce, mansa, junto ao impulso da razão;
Hóspede louca que beija à toa,
E se despede.

A noite parece que some,
Dá lugar aos seus companheiros exóticos,
Mas, eis que surge sempre que tem arco- íris,
enfeitando de cor.

Sabe as minhas malícias,
Meus pensamentos distantes;
O mundo aonde vagar é imenso
Sonhos em asas contentes.

quinta-feira, 31 de março de 2011

QUADRO À ÓLEO

A barca desce
O rio amarelo,
Em queda d’água,
Sob o verde luar.

À volta, o romance de pedra,
Com peixes cor de esmeralda.

À margem a grama crepita,
O fogo respinga úmido.

A harmonia íntima da borboleta parece antiga;
A semente voa no ar,
Temperando o ambiente.

Ao longe, a lâmpada brilha,
Sobre a janela vermelha.

A leveza do milho parece mágica;
O hóspede observa,
O néctar das nuvens,
Moldura de um quadro à óleo.

O silêncio paira na ponte,
A tela é ampla sintonia com o universo.

terça-feira, 29 de março de 2011

CIDADE DESCOBERTA

Aquele lugar vale ouro,
Cidade descoberta de dunas,
Formada de meias e giz.

Um gato esconde o punhal
Atrás do lixo do pátio,
E espia o pão assando dentro do forno.

Dois homens se enfrentam;
Possíveis rivais;
Na dança e no olhar sedutor,
Que brinca de revelar a ingenuidade.

Há rio doce que encontra o mar;
Amar, num gole santo,
Extasiar o pé no convite.

A pedra cor de jade,
O verde do olhar sorri,
O último que morre,
Na fina teia da aranha da liberdade.

Flores se escondem na toca do coelho,
Mesmo que pulem a janela de noite,
Para dormir com o anjo salvador.

A viagem, a estrada,
Coberta de luz, guiando estrelas,
Crianças platinadas,
Sem saber esconder a alegria.

A cama desnuda,
revela seu gosto por morrer,
E o medo de perder a hora de voltar.

segunda-feira, 28 de março de 2011

A MULHER E O VESTIDO

     


A mulher se desnudava com freqüência,
Chamavam-na exibicionista,
Com aquele hábito de se expor à toa...

Acostumaram-se, no entanto, a vê-la descoberta,
E a não dar importância.

Um dia, no entanto, surpreendeu vestida,
De forma sublime, suave,
Como se fosse aquele o seu costume;
A mão a vagar nos tecidos.

O tempo passou sem estranhamento,
Agora,  é vista a distribuir vestes,
                     Com ar de quem tem nudez de sobra.

domingo, 27 de março de 2011

PERFUME DE INCENSO

Abertura: no início tudo era o caos. do caos se fez a origem de todas as coisas. no meio de tudo o verbo. o singular, o subjetivo. a palavra. acendo o incenso e encho a sala de perfume....

                           LIVRO I : PERFUME DE INCENSO


 

Abro o incenso, acendo, é noite.
A fumaça sobe e o perfume é forte.
Respiro.
Hora de escrever.

Olho o escuro da noite no alto da montanha
Luzes piscam
O vento sobrevoa sereno
Respiro o ar da janela, renovando o espírito

Abro o chocolate,
Sacio meu desejo.
Há coisas que não nos esclarece a razão;
Há sensações que não conseguimos explicar.
O deleite não tem portas abertas


A lua, hoje, está cheia;
Brilha mais que o céu,
Intensidade que comemora sua forma plena.
Pisco o olho e tento fixar sua luz.
                       Preencho minha fantasia.


                        Deu vontade de tomar chá;
Outro cheiro que me arrepia,
Tenho camomila e hortelã.
Calma e frescor.
Por que a natureza nos fascina?


O sabor da noite vai ficando mais denso.
Sobe, lá de fora, um cheiro de alecrim com laranja.
            Lampião aceso que não sai da memória.
Água de lavar os pés.
Se eu morrer, me põe de volta no vento.



Cruzo os dedos de vontade.
Tomara que amanhã tenha arco-íris.
Quero pintar meu romance,
Quero chorar,
Quero partir quebra-cabeça.

A porta lá embaixo bate,
           Deixei a janela aberta
O vento soprou mais forte.
Há tempos que não vejo gente.
Solidão, minha eterna companheira

A água desce pelo esôfago,
Respiro pelo diafragma,
O ar enchendo a barriga e os pulmões;
Se pudéssemos voar?
            Acho que o mundo não seria tão material.

Abro a boca,
O sono me engole;
O cheiro acabou,
A fumaça acabou,
A vontade acabou,
Meu mundo não me pertence.